Direito Autoral é Diretos Humanos
Artigo de Sylvio Back, realizador audiovisual e presidente da DBCA, publicado originalmente em inglês no site da CISAC.
Sylvio Back
Roteiristas e diretores de cinema, TV, minisséries e filmes de animação brasileiros, sem vezo gremial, político-partidário, nem ideológico, mas eivados do mais legítimo pleito moral, denotam confiança na sua intransigente defesa dos direitos autorais geridos por associações privadas de criadores à luz da Constituição de 1988 e da Lei do Direito Autoral (LDA), promulgada dez anos depois em 1998.
Finalmente, há o reconhecimento valorativo da criação em todas as instancias da economia artística e cultural do país: desde quem inventa, a quem emite a invenção, e de quem fiscaliza, no caso, o Ministério da Cultura. Pois, já é truísmo: sem diretor não tem filme!
Nestes tempos do impune tsunami da Internet e seus infindáveis repiques, somos todos órfãos de pagamento pela intensa e extensiva gratuita veiculação do nosso estro em todas plataformas e modalidades, digital e não digital.
Diante desse infortúnio pecuniário estamos em descompasso com o processo civilizatório que vige a todo vapor na América Latina/Caribe, Canadá, Europa/Leste, África, Oriente Médio e Ásia/Pacífico que, ao dignificar a profissão de roteiristas e diretores, consagra o mantra da mais absoluta contemporaneidade: direito autoral é o salário do criador.
Daí, com extremo fervor emergencial, DBCA (Diretores de Cinema e do Audiovisual – Associação de realizadores brasileiros), responsável pela Jornada Internacional de Direitos Autorais do Criador Audiovisual, a realizar-se no âmbito deste 50º. Festival de Brasília (dia 20, quarta-feira, no Museu Nacional da República), está requerendo ao Ministério da Cultura, e na expectativa de lograr êxito, habilitação para cobrar direitos autorais de obras audiovisuais no Brasil.
Como detentores do maior parque industrial de entretenimento da América Latina, é a oportunidade de sermos o próximo país a “abolir a escravidão”, como ironiza o cineasta Guilherme de Almeida Prado, um dos dirigentes da DBCA – entidade fundada justamente para conduzir a gestão coletiva dos direitos autorais dos diretores de obras audiovisuais no território brasileiro.
Não é, portanto, de admirar que “o direito à proteção moral e material resultante de qualquer produção científica, literária ou artística no qual é o autor”, conste como cláusula da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da ONU (1948) e assim deveria ser encarado por todos os signatários da Convenção de Berna (Suíça, 1886), como o Brasil, na qual há mais de cem anos, mundo afora, é defendida e garantida essa prevalência.
Na mesma batida é hoje ordenamento jurídico da Comunidade Europeia, que subscreve a necessidade do intransferível e irrenunciável pagamento a roteiristas e diretores tal qual músicos, dramaturgos e intérpretes que, de há muito, por todos os méritos, navegam nessa inelutável conquista, capilarizando a economia criativa do país.
Portanto, agora não tem mais escapatória: chegou a hora de o Ministério da Cultura conferir a tão aguardada habilitação para a cobrança dos direitos autorais já reconhecidos por nossa legislação, mas não cobrados por seus titulares até a organização de seus pares por meio da DBCA. Que tal se, democraticamente, todos pudéssemos usufruir dos ganhos resultantes da circulação de nossas obras por diferentes meios e mercados?
Afinal, direito autoral é mercado na sua mais lídima acepção. Um não subsistiria sem a produção, a invenção e existência do outro. E, pelo volume de recursos, é uma desfrutável commodity que pesa sobremaneira no PIB nacional. Já se tornou público e notório para toda cadeia produtiva: o pagamento do direito autoral sem que ônus algum recaia sobre quem o consome e usufrui individual ou coletivamente, pois todo audiovisual é uma inesgotável mina de ouro para quem o transmite!
Nenhuma obra de arte é fruto de geração espontânea. Daí que a correta e devida remuneração a quem se dedica a realizá-la e lhe empresta o nome vem se impondo como uma verdade universal. Precisamente, por ser DNA unívoco do criador, cuja força de trabalho imaterial é considerada direito natural desde o século XVIII como extensão de sua personalidade.
A inexistência de pagamento a roteiristas e diretores pela fruição e retransmissão públicas de seu estro e know how técnico têm chamado a atenção de legisladores, gestores públicos e privados, advogados de direitos autorais e propriedade intelectual, inclusive sensibilizando o Legislativo e Executivo de inúmeros países, como no Chile, onde a presidente Michelle Bachelet acaba de assinar a “Ley Ricardo Larraín”, como também a Colômbia, aprovando a sua “Ley Pepe Sánchez”, ambas homenageando famosos realizadores nacionais.
“Criadores sem direitos autorais é o mesmo que cidadãos sem direitos políticos” – a propósito, sentencia o advogado chileno, Santiago Schuster, diretor para América Latina e Caribe da prestigiosa Confédération Internationale des Sociétés d´Auteurs et Compositeurs (CISAC), expert na proteção jurídica e moral de realizadores de cinema e TV. A modernidade está cobrando seu preço com o Brasil, através da DBCA, assumindo a responsabilidade de se alinhar a esse processo de total pertinência humanitária.
Para não escamotear nem a gravidade do atraso histórico do país no âmbito do audiovisual, nem humildade para reconhecer que, para tanto, é preciso a autorização do Ministério da Cultura às sociedades audiovisuais de cobrar direitos no Brasil e no exterior, vale a pena recorrer à sabedoria do genial dramaturgo, roteirista, filósofo e humorista brasileiro, Millôr Fernandes (1923-2012): “Se se ganha dinheiro, o cinema é uma indústria. Se se perde, é uma Arte”. –
Sylvio Back é cineasta, poeta, roteirista e escritor;
presidente da DBCA.
This post is also available in: Inglês